Fone de ouvido e a perda auditiva: pode acontecer?

Fone de ouvido e a perda auditiva: pode acontecer?

Presidente da Sociedade Brasileira de Otologia, Edson Ibrahim Mitre, alerta sobre os perigos do mau uso do aparelho e dá dicas para manter os ouvidos saudáveis

A PROTESTE testou seis modelos de fones de ouvido wireless (sem fio) e constatou que a maioria é bem satisfatória – a avaliação completa foi publicada na edição 218 da revista da associação. Mas o uso incorreto e prolongado do aparelho não é recomendado, como alertou o otorrinolaringologista Edson Ibrahim Mitre, presidente da Sociedade Brasileira de Otologia (SBO), filiada à Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), e professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Sem os devidos cuidados, pode acontecer a perda auditiva por fone de ouvido.

De acordo com o médico, o aumento do uso de fones de ouvido já causa reflexos nos consultórios, onde observa-se o crescimento de casos de otites externas e perdas auditivas irreversíveis em crianças e adolescentes. “Quanto mais próximo da membrana do tímpano estiver a fonte sonora (o fone de ouvido), maior a intensidade e, portanto, maior o risco de lesão auditiva”, alerta Mitre, na entrevista abaixo. Confira!

 O uso de fone de ouvido pode comprometer a audição?

Sim, o uso de fone de ouvido pode comprometer a audição até mesmo de forma irreversível, se usado de forma inadequada. Qualquer dispositivo que emita sons em altas intensidades (altos volumes) podem levar à lesão dos ouvidos, especialmente da porção sensorioneural (células ciliadas da cóclea). Nossos ouvidos conseguem se proteger por algum tempo de sons abaixo de 80 dB, através da contração de músculos da orelha média. Mas esses músculos podem sofrer fadiga e deixar de atenuar os sons mais altos. Entretanto, sons de intensidade mais elevada atingem a orelha interna e provocam lesão transitória e até a morte das células ciliadas, que são as responsáveis por transformar o estímulo sonoro em impulsos elétricos para o nervo auditivo. Assim, os sons mais elevados podem causar perda auditiva irreversível de graus variáveis, dependendo da intensidade sonora e do tempo de exposição. Quanto mais próximo da membrana do tímpano estiver a fonte sonora (fones de ouvido), maior a intensidade e, portanto, maior o risco de lesão auditiva.

Então, o limite seguro de exposição sonora diária seria de 80 dB?

Os ouvidos, em geral, apresentam alguma proteção para sons abaixo de 80 dB, mas, mesmo assim, a exposição deve ser preferencialmente bem abaixo disso. A partir de 80 dB, o risco de lesão auditiva aumenta exponencialmente. A exposição a 90 dB por 4 horas já é suficiente para causar perda auditiva. Um bom parâmetro de segurança é observar se é possível ouvir uma pessoa chamando em voz normal, quando estiver usando os fones. Se não for possível, há o risco de a intensidade sonora estar elevada demais.

Há vários tipos de fones de ouvido (auriculares, intra-articulares, supra-auriculares e circumaurais). Qual o mais indicado?

A questão principal aqui não é o tipo de fone de ouvido, mas sim a intensidade sonora produzida e a proximidade com a membrana do tímpano. Os fones circumaurais (tipo concha) geralmente produzem som de melhor qualidade e a distância da membrana timpânica é maior. Além disso, como geralmente atenuam melhor os sons externos, há necessidade de menor intensidade sonora para a boa audição. Os fones intra-auriculares ficam mais próximos da membrana timpânica e, portanto, a pressão sonora (intensidade) é maior e o risco também. Devemos lembrar ainda que o tamanho desse tipo de fone pode causar pressão na pele do canal auditivo e levar, eventualmente, à otite externa (infecção grave da pele do canal auditivo). A umidade produzida pela transpiração da pele, retida pelos fones de ouvido, também podem facilitar infecções da pele do canal auditivo. Recomenda-se retirar os fones por alguns minutos periodicamente, para que ocorra a ventilação dos ouvidos, evitando-se o uso prolongado.

Pesquisa de mercado indica que, nos últimos anos, houve aumento das vendas de fones de ouvido, por causa do uso massivo de celular. Isso se refletiu, de alguma forma, em problemas de ouvido?

Sim, isso é verdade não só pelo uso de celulares, mas também devido à pandemia, com home office e muitas atividades on-line. Temos observado maior frequência de acúmulo de cerume (cera) nos ouvidos, devido aos fones de inserção ou intra-auriculares. Em menor escala, houve um aumento das otites externas por conta da umidade da transpiração retida pelos fones de ouvido. Mas o dado mais preocupante é a identificação crescente, nos últimos anos, de crianças e adolescentes com perdas auditivas sensorioneurais irreversíveis relacionadas ao uso de fones de ouvido em intensidades sonoras mais elevadas, seja por uso de celulares ou videogames.

Quais as principais causas da surdez no Brasil?

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde de 2020, estima-se que cerca de 15 milhões de pessoas apresentem perda auditiva no Brasil. Isto equivale a cerca de 7% da nossa população. As causas são diferentes de acordo com a faixa etária. Em crianças, é comum identificarmos perda de audição decorrente de otites médias, caxumba e rubéola, infecções maternas durante a gestação, causas genéticas e problemas no parto. Em adolescentes, ela começa a se manifestar por sons altos, incluindo aqui o uso incorreto de fones de ouvido. Em adultos, identificamos as perdas auditivas ocupacionais, como pessoas que trabalham em fábricas onde há muito barulho, traumas da orelha, perfuração timpânica, além de algumas causas crônicas, como infecção persistente e o colesteatoma (tumor benigno que cresce no interior do canal auditivo).

 Há algum cuidado especial de higienização para quem faz uso contínuo de fones?

O primeiro ponto é lembrar que os fones devem ser pessoais e não compartilhados, para evitar a transferência de bactérias habituais da pele de uma pessoa para outra. Além da retirada periódica dos fones para a ventilação dos condutos auditivos, a higiene com pano limpo ou papel-toalha é importante. Também pode ser utilizado pano levemente embebido em álcool para uma higiene mais completa. Especialmente nos fones intra-auriculares, deve-se ter atenção à retenção de cerume nos mesmos.

E quanto à limpeza dos ouvidos?

Nós, otorrinolaringologistas, somos absoluta e radicalmente contra o uso de hastes flexíveis com algodão para a limpeza dos ouvidos. Nossos ouvidos apresentam um mecanismo natural de autolimpeza, eliminando o excesso de cerume e descamação de pele para fora continuamente. Desta forma, basta fazer a limpeza externa com uma toalha macia na ponta do dedo, e jamais introduzir qualquer objeto nos canais auditivos externos.

Quais as principais dicas para manter os ouvidos saudáveis?

A primeira é jamais introduzir qualquer objeto nos ouvidos e nunca tentar limpar os canais auditivos. Também não utilizar nenhuma substância, como álcool. Evitar a exposição a sons de alta intensidade, mantendo-se distante de caixas de som ou de outras fontes sonoras. Se for inevitável (ocupacional, por exemplo), é obrigatório o uso de protetores auriculares específicos para o som alto. Quando utilizar fones de ouvido, atentar para baixos volumes, permitindo ouvir algum chamado verbal. É recomendável ainda usar os fones por períodos não muito prolongados e retirá-los periodicamente para a ventilação da pele. Quando apresentar qualquer pequena dúvida em relação à audição, quando se observa que as crianças parecem desatentas ou com menor rendimento escolar, ou quando aparecer qualquer sintoma de dor, secreção ou coceira no ouvido, o médico otorrinolaringologista deve ser imediatamente consultado. Quanto mais precoce for o diagnóstico e o tratamento, maiores são as chances de recuperação da audição.

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Manuela Azevedo