Validade dos produtos: o que preciso saber?

Validade dos produtos: o que preciso saber?

É importante saber o que deve ser feito caso você se depare com um produto fora da validade no mercado

Imagine a cena: você está em um supermercado, fazendo compras para a sua casa, quando se depara com um alimento fora da validade. O que você faria? Para quem denunciaria? Qual é o seu risco como consumidor?

Essas situações são raras, mas não inexistentes: no ano passado, em Macapá, mais de 200 produtos fora da validade foram encontrados à venda em dois supermercados. Dentre a lista do que foi encontrado, tinham exemplares bastante comuns na maioria das geladeiras: laticínios, embutidos e biscoitos. Após operação ‘Fim do ano’ do Procon de Amapá, os produtos vencidos foram recolhidos das lojas e foi aberto o procedimento administrativo para fechamento do estabelecimento, caso os donos não apresentassem a defesa do episódio em até 20 dias. 

Quando inserido nesse tipo de situação, é necessário compreender quais medidas devem ser tomadas se você encontrar um produto fora da validade — para poupar não só a sua saúde, mas também a de todos os consumidores.

Afinal, o que é o prazo de validade?

À Proteste, Juliano Gonçalves Pereira, especialista, mestre e doutor em Ciência dos Alimentos, definiu que prazo de validade é o tempo em que o alimento, lacrado dentro do supermercado, irá manter suas características microbiológicas.

“Por exemplo, se um alimento possui 3 meses de validade, até o último dia desse prazo, ele deve manter essas características — sendo elas crocância, sabor, aparência, textura e por aí vai”, esclarece o especialista. “Cada alimento apresenta uma regulamentação específica de produção que, entre várias questões, vai determinar qual é essa carga microbiológica que o alimento deve ter, quais são suas características sensoriais, etc”.

E a escolha desta data de validade não é feita aleatoriamente: segundo Juliano, cada alimento é testado em laboratório, que simula uma condição de exposição ao público, para que se possa estipular até quando esse produto fica bom para consumo.

“Se um alimento precisa ficar em temperatura ambiente para a venda, eu o mantenho em temperatura ambiente. Se ele precisa ficar congelado no mercado, eu o mantenho congelado”, explica. “Baseado nas características do produto , eu já tenho uma estimativa de até quando ele pode ficar exposto sem alteração nas suas condições — mas essa realidade pode variar de indústria para indústria”.

Neste cenário, Juliano completa: “O alimento chega em laboratório junto com uma estimativa da indústria: que acredita que ele dura 45 dias, por exemplo, com base somente em sua composição. Porém, é a partir deste teste que vamos verificar se essa é a durabilidade real daquele produto — porque pode ser que ela seja menor ou maior que esse período pré-estabelecido”.

Apesar da comprovação laboratorial do prazo de validade dos produtos, as condições de consumo de um alimento podem sofrer alterações durante a sua distribuição.

 “A cadeia de distribuição de produtos no Brasil é muito longa — o território é vasto, e você tem produtos produzidos no Rio Grande do Norte e vendidos no Rio Grande do Sul, por exemplo. Além disso, tem os meios de transporte, a higiene, a quebra da cadeia de frio, vários intermediários desse processo que não têm conhecimento sobre conservação; tudo isso vai influenciando a perda de qualidade e a segurança, e pode fazer com que o alimento perca a sua qualidade — mesmo estando dentro do prazo de validade”, destaca o especialista. “Por isso, os estabelecimentos possuem o que a gente chama de ‘brigadas da validade’ — que são times de funcionários responsáveis por identificar produtos à venda que estão próximos ou fora do prazo de validade. Os alimentos que estão vencidos devem ser descartados imediatamente, contudo, caso o produto esteja perto da data do vencimento, ele pode ser vendido, desde que esteja aparentemente apto para consumo e com a sinalização adequada para os consumidores entenderem o que está sendo comprado”.

Essas “brigadas” são, inclusive, obrigatórias por lei. Débora Minuncio Nascimento, mestre em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas Brasília, fundadora do Instituto Brasileiro de Governança, Riscos e Compliance (IBGRC) e sócia-proprietária do Escritório de Advocacia DMN Advocacia Empresarial, Negócios Digitais e Infoprodutores explica:

“Os estabelecimentos comerciais têm a obrigação legal de verificar regularmente a validade dos produtos expostos à venda. Esta responsabilidade está fundamentada no Código de Defesa do Consumidor — especialmente no artigo 18 — e também em normas da Vigilância Sanitária. O descumprimento dessas normas sujeita o estabelecimento a sanções administrativas, civis e até criminais, dependendo da gravidade da infração”.

Mulher fazendo compras no mercado

Você sabe o que são as ‘xepas digitais’? (Foto: Freepik)

Xepas

Conforme mencionou Juliano, tem ganhado cada vez mais popularidade a prática de alguns estabelecimentos venderem produtos perto do vencimento — seções muitas vezes chamadas de ‘xepas’. Neste cenário, o especialista ressalta que esta não é uma prática perigosa — visto que, se o alimento está no seu prazo de validade, e sua aparência está normal, ele está apto para o consumo seguro.

“Até o último dia do prazo de validade um alimento deve manter suas características microbiológicas”, explica. Por causa disso, essa prática de xepa tem ultrapassado os mercados físicos e chegado também nas lojas virtuais: segundo informações da edição 231 da Revista Proteste, foram criados aplicativos exclusivos para essa fatia do mercado — como o SuperOpa, B4waste e Food to Save. E o percentual de descontos desses espaços pode chegar até 50%, de acordo com Márcio Milan, vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras):

“A rebaixa de preços é uma das ações de mais visibilidade. Porém, há outras medidas em 85% dos supermercados do Brasil. Entre elas, a venda de itens fracionados, como alho e banana, que podem se desprender da cabeça e penca, e são reagrupados e embalados. Isso vem da evolução da participação do consumidor no combate ao desperdício de alimentos. Assim, obtém-se produtos seguros para o consumo e menor desembolso na compra”.

Para além de amiga do bolso do cliente, essa prática também freia um desperdício de recursos no meio ambiente: a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que 27 milhões de toneladas de alimento são desperdiçadas no Brasil anualmente; e US$ 750 bilhões são perdidos com o desperdício de alimentos. “As perdas decorrentes da validade estão entre as principais causas de desperdício”, destaca Milan. Por isso, a alternativa de compra e venda de produtos perto do vencimento se torna algo justo e lucrativo.

Contudo, é necessário que o supermercado sinalize com clareza o que está sendo vendido e as condições em que o alimento está. Ademais, o CDC alerta que, em caso de arrependimento, o consumidor tem até 7 dias para a devolução e ressarcimento do valor gasto — mesmo em casos de alimentos perto do vencimento.

Encontrei um produto fora da validade no mercado, e agora?

A advogada Débora destaca que, se um consumidor encontrar um produto fora da validade no mercado, ele deve:

  1. Documentar a ocorrência (com fotos, dados do produto encontrado e do estabelecimento);
  2. Informar imediatamente o acontecimento ao responsável pelo estabelecimento;
  3. Formalizar reclamação por escrito no local;
  4. Protocolar denúncia no PROCON ou Vigilância Sanitária;
  5. Guardar todas as evidências e documentação relacionadas à ocorrência.

“Este procedimento gradual permite que o estabelecimento tome providências imediatas e, ao mesmo tempo, preserve evidências caso seja necessário escalar a reclamação”, explica a advogada. “O registro fotográfico do produto fora da validade também é importante, mas deve ser complementado com outras medidas — como anotar informações como data e hora da constatação, lote do produto e endereço do estabelecimento; registrar imagens que identifiquem o estabelecimento (fachada, localização nas prateleiras); e guardar o comprovante da reclamação, se possível, com a assinatura de um funcionário”.

A partir daí, a responsabilidade sob os riscos da venda de um produto vencido cai sobre o próprio mercado. “O estabelecimento tem responsabilidade objetiva sobre os produtos que comercializa, conforme previsto nos artigos 12 e 18 do CDC. A comercialização de produtos vencidos configura uma infração grave às normas consumeristas, caracterizando-se como um produto impróprio para o consumo. O fornecedor tem a obrigação legal de retirar imediatamente esses produtos de suas prateleiras, s”. 

E se eu comprei o produto fora da validade e só percebi quando cheguei em casa? Não se preocupe — neste caso, você também tem direitos previstos no CDC. “Se o produto vencido for adquirido, o consumidor tem direito à restituição do valor pago, substituição do produto por outro em condições adequadas ou abatimento proporcional do preço, independentemente de comprovação de prejuízo”, explica Débora. “O CDC diz, no artigo 14, que o fornecedor é responsável pelos problemas causados pelo produto, mesmo que ele não tenha feito nada de errado de propósito. Ou seja: se o produto causar algum dano ao consumidor, a empresa tem que pagar indenização”.

A indenização em questão pode ser por danos morais (comprovando o abalo psicológico ou constrangimento sofrido pelo consumo do alimento); por danos materiais adicionais (como despesas médicas advindas do consumo do produto vencido); e compensação por lucros cessantes (se o consumidor deixou de trabalhar em razão de problemas de saúde decorrentes do consumo), segundo Débora:

“O artigo 6º, inciso VI, do CDC garante que o consumidor tem direito a ser protegido e a receber indenização por danos materiais e morais. Em casos mais sérios ou repetidos, a Justiça pode aplicar ainda uma indenização maior, como forma de punição, para evitar que isso aconteça de novo”.

Fora o pagamento de indenizações ao consumidor, o estabelecimento que for pego vendendo produtos vencidos pode arcar com outras penalidades, tais como:

  • Administrativas: multas aplicadas pelo PROCON ou Vigilância Sanitária, conforme o Decreto 2.181/97, que regulamenta o CDC;
  • Penais: o artigo 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90 tipifica como crime contra as relações de consumo vender mercadorias em condições impróprias ao consumo, com pena de detenção de 2 a 5 anos ou multa.

“O estabelecimento pode sofrer interdição temporária, cassação de alvará de funcionamento e outras sanções previstas na Lei 6.437/77, que dispõe sobre infrações à legislação sanitária”, destaca ainda Débora.

Como saber se o produto está apto para consumo?

Mesmo com a garantia da segurança do prazo de validade, Juliano confirmou que fatores externos à produção de um alimento — como condições de armazenamento, transporte, carga e até mesmo do próprio estabelecimento em que ele está sendo vendido — podem deteriorar o caráter biológico de um produto. Por isso, o especialista ressalta que é responsabilidade da indústria que o produto chegue ao mercado em condições seguras de consumo; bem como é da ossada do estabelecimento garantir que os alimentos que já estão sendo vendidos são seguros. 

“Quando o supermercado compra o alimento de uma empresa, ele precisa verificar se ele está fresco”, explica. “E a empresa tem que garantir que, dentro dos seus processos de produção e transporte, o produto não vai ser vendido para o consumidor fora da validade”.

Mesmo assim, é importante reconhecer as características de um alimento que está apto para o consumo — e também do que não está — para evitar complicações. Para isso, você deve reparar:

  • Cheiro: cheire o produto que você está comprando, principalmente in natura, para entender se o alimento não está exalando um odor diferente;
  • Aparência: Observe se há manchas, texturas, colorações, separação de fases líquidas, formatos, brilhos e opacidades que não são características do produto;
  • Condições da embalagem: Quando o produto está embalado sem transparência (não sendo possível cheirar ou olhar), é preciso analisar a embalagem. Nos enlatados, verifique se não existe nenhum tipo de estufamento que pode indicar a presença de gases gerados por processos fermentativos e bioquímicos advindos de uma contaminação; em embalagens no geral, observe se há vazamentos e microfuros, se ela está bem soldada, com lacres e selos sem rompimentos parciais e totais, sem deformação (não amassados e na formatação original) e sem deposições metálicas ou de materiais estranhos (ferrugem, por exemplo); para o caso dos rótulos, confira se eles estão íntegros — isto é, se estão legíveis, sem nenhum sinal de remarcação da data de validade.