Entrevista: aval para remédios da Cannabis é bem-vindo

Entrevista: aval para remédios da Cannabis é bem-vindo

O neurocirurgião infantil João Ricardo Penteado afirma que novo regulamento abre caminho para mais pesquisas sobre o uso da Cannabis para fins medicinais

A Anvisa regulamentou no dia 9 de dezembro a fabricação e importação de produtos da Cannabis para fins medicinais. Ou seja, será possível fabricar no país e importar remédios a partir da Cannabis. Para esclarecer possíveis dúvidas em relação ao uso medicinal da planta, conversamos com o neurocirurgião infantil João Ricardo Penteado. Para ele, a regulamentação é muito bem-vinda e abre um caminho para mais pesquisas para fins medicinais. Leia a entrevista na íntegra:

Quais são os usos comprovados de remédios à base da Cannabis?

Em epilepsia, já existem trabalhos com evidência do que chamamos de grau de recomendação. Ou seja, o paciente tem benefícios comprovados em duas síndromes epilépticas graves. No entanto, por serem caros, ainda não existe um nível de evidência tão alto para outros usos dos remédios feitos a partir da Cannabis – com o uso do canabidiol (CBD). Por exemplo, você também tem benefícios em pessoas com autismo, esclerose múltipla, espasticidade, dor, mas esses usos são baseados em estudos observacionais. Em outras palavras, os benefícios foram observados, mas ainda faltam estudos mais consistentes para uma comprovação mais séria.

Em epilepsia, onde o uso já é comprovado, qual é o benefício?

Na maior parte das vezes, os remédios à base de canabidiol são usados em conjunto com outras drogas anti-convulsivantes. Na prática, o tratamento reduz a frequência e a intensidade da crise convulsiva.

E existem outras possibilidades do uso do CBD?
Existem diversos estudos abertos sobre tratamento de doenças com canabidiol. Por exemplo, para tratamento de pacientes com câncer terminal e em dor crônica. É uma droga recente e já se conhece alguns efeitos dela. Então hoje tenta-se aproveitar esses efeitos conhecidos para aplicá-los em determinadas doenças e ter estudos grandes com grau de comprovação.

Cannabis não veio para substituir outros remédios

 

cannabis

Existem estudos que dizem que os efeitos do canabidiol não seriam tão diferentes dos de outros analgésicos como a codeína, como você vê essa afirmação?

O CBD não veio para acabar com outras drogas, não temos que pensar nele como uma solução mágica. Sabemos que existe um efeito analgésico. Para avaliar comparativamente com outras drogas, precisaria de estudos maiores. Basicamente, as dores de origem neurológicas respondem bem ao canabidiol. Já a codeína é um analgésico de um espectro mais amplo, ou seja, para qualquer tipo de dor. Recentemente, eu recebi uma criança com dor crônica, o que é muito raro, e depois que ela começou a fazer um teste com CBD, teve uma resposta fantástica. Embora um paciente não seja evidência, a observação da sua melhora foi bem positiva.

Como uma pessoa hoje pode ter acesso aos medicamentos à base de CBD?

Antes da aprovação da resolução da Anvisa, já havia meios legais de obtenção de drogas à base de canabidiol. Por exemplo, existe uma fazenda em João Pessoa autorizada a plantar Cannabis e produzir o extrato da planta. E também já se conseguia o remédio importado. Existem diversas empresas que trabalham com fitoterápicos que são registradas no exterior, produzem e exportam para cá com a autorização da Anvisa.

Quando a gente fala em ciência médica, ela só se expande quando se desenvolve novas opções para o paciente e se entende suas aplicações. Usar essa planta para benefício das pessoas não gera qualquer conflito ético, religioso ou o que seja.

Regulamento vai aumentar disponibilidade do canabidiol

 


Qual o impacto real da nova regulamentação da Anvisa?

A regulamentação vai te permitir ter grandes indústrias produzindo canabidiol de boa qualidade, de concentrações confiáveis de CBD e THC (Tetrahidrocanabinol, responsável pelo efeito recreativo da Cannabis) e até mesmo melhorar o acesso aos medicamentos produzidos a partir dele. Com a nova regulamentação, esses remédios poderão ser vendidos na farmácia, vai baixar custo de frete, aumentar a disponibilidade.

Hoje quando o médico receita, onde a pessoa compra o medicamento?

Hoje não vende na farmácia. Aí a pessoa é obrigada a importar.

 

O canabidiol tem efeitos psicoativos?

Não. Falando popularmente, não dá onda, não vicia.

E qual é a diferença entre o THC e o CDB?

São substâncias diferentes que vêm da mesma planta. Na planta da Cannabis podem ser extraídas mais de 400 substâncias, chamadas canabinoides. Em torno de 80 são farmacologicamente ativas, ou seja, possuem efeito como remédio. Ou seja, há um universo amplo ainda para descobrir outras utilizações. O THC é a substância responsável pelo efeito recreativo da droga.

Existem efeitos colaterais no uso de remédios a partir do CBD?

Tem efeitos gastrointestinais, alteração de humor. Ou seja, tem efeito colateral como qualquer remédio.

Não há risco de produção da droga recreativa

A regulamentação aprovada pela Anvisa não permite o plantio, ou seja, a substância terá que ser importada e isso tende a tornar o remédio caro, inviabilizando para os mais pobres. Qual é a alternativa nesse caso?

Algumas pessoas conseguem por via judicial. Um dos motivos da regulamentação é que isso já estava gerando um custo para o Estado, que era obrigado a fornecer um CBD caro a quem precisava. A produção em maior escala poderia reduzir esse custo.

A liberação da Anvisa traz algum risco de produção da droga recreativa?

Não. Não há possibilidade de produção da droga recreativa a partir do canabidiol. À medida em que você está falando de um produto regulamentado, a chance disso contribuir para um mercado paralelo da droga é muito pequena. Na verdade, a gente já sabe que a maconha no Rio de Janeiro é muito difundida pelos meios ilegais. Então, não creio que a produção de remédio extraído da Cannabis gere algum impacto em um mercado que já, há muitos anos, é um mercado paralelo fortíssimo.

A droga recreativa conhecida popularmente como maconha, que nada tem a ver com o canabidiol, tem efeitos maléficos?

Sim. O uso da droga está ligado ao aumento de depressão, psicose, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos em geral. Tem impacto na cognição, piora na capacidade de raciocinar.

Existem remédios à base da substância THC também?

Existe uma droga sintética chamada Dronabinol, utilizada em tratamento de anexorexia associada a pacientes com AIDS, em tratamento de náuseas e vômitos em pacientes em tratamento de quimioterapia que não responderam aos remédios convencionais.

Ou seja, há um mundo de coisas para se descobrir ainda quando o assunto é Cannabis.

Ainda há muitos estudos a serem feitos para descobrir os efeitos benéficos de remédios à base de Cannabis. A regulamentação da Anvisa é muito bem-vinda nesse sentido. Quando a gente fala em ciência médica, ela só se expande quando se desenvolve novas opções para o paciente e se entende suas aplicações. Usar essa planta para benefício das pessoas não gera qualquer conflito ético, religioso ou o que seja.

Redação