“Algumas pessoas precisam ter uma dieta com nível de lactose zero”

“Algumas pessoas precisam ter uma dieta com nível de lactose zero”

Em entrevista ao MinhaSaúde, o professor doutor Aderbal Sabrá alerta que nem sempre produtos zero lactose atendem à demanda das pessoas que têm intolerância

A intolerância à lactose é uma condição muito comum do ser humano. Aproximadamente 70% da população mundial tem a deficiência da enzima lactase, que é a responsável pela digestão da lactose no trato digestivo humano. Ou seja, essas pessoas precisam ter uma dieta zero lactose. Para tirar todas as dúvidas sobre o assunto, conversamos com o professor doutor Aderbal Sabrá, membro titular da Academia Nacional de Medicina e professor de Alergia Alimentar e Autismo da Universidade Unigranrio, que faz um alerta: alguns produtos vendidos como zero lactose no mercado não atendem a determinados níveis de intolerância.

Leia os principais trechos da entrevista:

De 65% a 70% da população mundial tem a deficiência da enzima lactase, condição que causa a intolerância à lactose. Todo mundo deveria produzir essa enzima?

A enzima lactase geneticamente informada está presente em todo mamífero. São poucos casos, em finlandeses, que tem lá umas 10 famílias, que têm deficiência do gene da lactase. Mas isso é uma raridade, não aconteceu com nenhum outro povo do mundo.

Então partimos do princípio que, com exceção desse grupo de finlandeses, todo mamífero produz lactase para poder se alimentar na sua mãe.

Essa é então uma herança genética? 

Essa é uma herança autossômica recessiva, que acontece em mamíferos, mas não em todos. Aí é que entra o problema. Se você tem origem anglo saxônica, se você tem origem daqueles povos que produzem lactase a vida toda, você pode tomar leite a vida toda. Isso está em 30% da população mundial. Os outros 70% da população não têm esse nível. 

Não tendo esse nível, eles passam a sofrer com intolerância a lactose. Portanto, esse é um dado importantíssimo, porque sabemos que há um grupo que não pode tomar leite depois da amamentação. 

Esse povo é aquele que não teve a herança autossômica de produção de lactase. Isso representa 70% da população mundial.

E quais são os povos que representam esses 70%?

Primeiro: raça amarela, que representa, portanto, o índio brasileiro. Em segundo, a raça negra, que muito pouco desenvolveu a lactase. E outros povos que não tiveram essa felicidade de produzir a lactase. Então, fora os anglo-saxônicos, que realmente são grandes produtores de lactase, o resto do mundo passa a sofrer dessa deficiência. 

A partir de cinco anos de idade esse nível vai ficando crítico, e por volta dos 10 anos a pessoa não consegue nem comer um brigadeiro, porque tem sintomas. Por isso a necessidade da existência de fórmulas sem lactose. 

Isso é um problema inerente da falta da enzima, isso não tem nada a ver com alergia alimentar. Alergia alimentar é um problema dependente da proteína do leite, e não da lactose. 

Então não procede afirmar que hoje existem mais casos de intolerância a lactose do que no passado?

Não. Essa mudança genética foi há mais de 10 mil anos. Vem do homem das cavernas, quando começamos a produzir lactase e fazer, portanto, o grupo autossômico recessivo. Nessas circunstâncias, passamos a ter dois grandes polos: os 30% que produzem lactase e os 70% que não produzem. 

Isso não é um problema novo. A ignorância sobre o assunto é que quer tornar o problema novo. Mas não é, absolutamente. Isso é coisa de ancestral. 

dieta lactose zero
Qual o tipo mais comum de intolerância à lactose? 

A raríssima é a congênita que mencionei, das 10 famílias finlandesas. Depois entramos no jargão mundial, que 30% produz a vida toda e 70% a partir do segundo ano passa a decrescer no tubo digestivo. Isso, portanto, é normal na raça humana.

Aí vem o terceiro grupo. A lactase é uma enzima que existe na parede do trato digestivo. Se temos uma doença digestiva grave, uma inflamação grave do tubo digestivo, uma doença que leva à atrofia intestinal, ou uma diarreia aguda grave por rotavírus, podemos passar por um momento de deficiência de lactase. 

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Isso é consequência da falta temporária das vilosidades intestinais do enterócito. Não tendo enterócito, não tem lactose. Essa é chamada a intolerância transitória secundária, que é uma doença do aparelho intestinal. 

Existe algum tipo de tratamento para pessoas que têm intolerância à lactose?

Só existem duas opções. Ou se conforma de não tomar leite a vida toda, ou traz no seu bolso a enzima lactase, que hoje é produzida fartamente pelo mercado. Sabendo qual o tipo que precisa, é só tomar o comprimido de acordo com o que consumir, como um pedaço de bolo ou um copo de leite, por exemplo. Cada um vai fazer o seu teste de tolerância. Outra opção são os alimentos deslactosados. 

O que acontece com uma pessoa que tem intolerância a lactose e toma um produto que tem quantidade de lactose acima de 0,1%, que é o que determina a legislação. Isso pode ter efeitos negativos nessa pessoa?

Pode. Se a pessoa toma um nível acima do que é permitido, ela terá sintomas. Os sintomas da intolerância à lactose só acontecem intestino delgado para baixo. Distensão abdominal, dor abdominal, diarreia. E é o que vai acontecer com esse indivíduo. 

E nos casos de produtos em que os níveis de lactose estão dentro do permitido, mas muito próximos do limite. O indivíduo que tomar esse produto, pode passar mal?

Pode, porque algumas pessoas precisam ter uma dieta com nível de lactose zero. Ou seja, qualquer nível de lactose no tubo digestivo, ele não terá enzima suficiente para digestão e terá problemas. O ideal mesmo é que a lactose seja zero. Esse nível traçado pela Anvisa não chega a ter uma base científica.