Escova progressiva: teste encontra alta concentração de formol em produtos

Escova progressiva: teste encontra alta concentração de formol em produtos

Pela segunda vez, a PROTESTE leva 12 lotes das chamadas escovas progressivas ao laboratório e os resultados continuam alarmantes: nove produtos foram eliminados por falta de segurança

A PROTESTE realizou um teste com 12 marcas com produtos conhecidos nos salões de beleza como ‘escova progressiva’ e o resultado é preocupante – sete marcas apresentaram uma maior concentração de formaldeído (o conhecido formol) que o permitida por lei. As análise foram publicadas na edição de setembro da REVISTA PROTESTE. Com os resultados, a associação consumerista ingressou com uma ação civil pública para a retirada dos lotes testados do mercado e encaminhou ofícios aos órgãos competentes para que adotem as medidas cabíveis. A justiça já determinou a retirada das prateleiras de 4 lotes testados: G. Hair (Fórmula Original Alemã), G. Hair (Marroquina), Maria Escandalosa (Bonequinha) e Portier (Exclusive) – confira os lotes na tabela, no fim do texto.

Vamos entender o resultado do teste e o que o formol representa à saúde do consumidor.

Quando tudo começou

No início dos anos 2000, uma febre tomou conta, literalmente, da cabeça das mulheres no Brasil: a escova progressiva com formol. Era a promessa de cabelos lisos, brilhantes e sem frizz, mas, em pouco tempo, o que parecia um sonho se tornou um pesadelo – foi constatado que o uso do formaldeído, o formol, é prejudicial à saúde. “Com o aquecimento, no caso da escova progressiva pelo uso do secador e da chapinha, o formol libera um gás. Na época, o componente era misturado a produtos contendo queratina hidrolisada (aminoácidos), o que faz ocorrer uma reação química entre a queratina hidrolisada e a própria queratina do cabelo, modificando a estrutura dos fios e tornando-os lisos”, explica Mylla Moura, especialista PROTESTE.

Mas o preço do resultado se tornou caro – e não foi só para o bolso. As denúncias sobre mulheres que sofriam queda de cabelo, queimadura no couro cabeludo e irritação nos olhos, por causa desse tipo de procedimento, foram surgindo nos noticiários. E estudos também comprovaram que, além desses sintomas, constantes exposições ao componente químico podem causar boca amarga, dor de barriga, enjoo, vômito, desmaio, feridas na boca, na narina e nos olhos e câncer nas vias aéreas superiores (nariz, faringe, laringe, traqueia e brônquios), levando até à morte. “Há relatos na literatura e na mídia de mortes por intoxicação pela substância”, alerta a dermatologista Leninha Valério do Nascimento, pós-doutorada pela Faculdade de Medicina Lariboisière Saint Louis, em Paris (França), e coordenadora e professora do curso de pós-graduação do Serviço de Dermatologia Tropical do Hospital Central do Exército (HCE/Unifase).

A pesquisadora Ubirani Otero da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional do Câncer (Inca), aumenta o coro de alerta sobre a substância “está tecnicamente reconhecido que o formol é cancerígeno e é altamente tóxico”.

Uso de formol como alisante é proibido

Em 2009, levando em consideração ainda a manipulação do produto pelos profissionais, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso de formol para alisamento de cabelo no país. De acordo com Ubirani, os cabelereiros e barbeiros estão mais suscetíveis a desenvolvimento de câncer já que manipular tintas e solventes. E alerta que a concentração de formol neste produtos “é uma questão de saúde pública, não é uma opção estética”.

O formol é permitido apenas como conservante na concentração máxima de 0,2% nos produtos não destinados à higiene oral ou para endurecimento das unhas1. “Neste percentual permitido, ele apenas conserva a fórmula, não tem potencial para alisar os cabelos”, enfatiza Mylla. Na verdade, a consumidora ou o consumidor não encontram mais facilmente o título “escova progressiva” nas embalagens dos produtos, mas a promessa continuou. Em 2019, 35% dos fiscais de Vigilâncias Sanitárias de estados e municípios que participaram de uma pesquisa da Anvisa sobre o tema relataram ter constatado o uso irregular de formol em alisantes. Basta digitar no site de busca ou mesmo sentar na cadeira de um cabeleireiro e solicitar que ela aparece. Com base nisso, este teste verificou se a quantidade de formaldeído apresentada pelos lotes das chamadas escovas progressivas está acima do limite permitido, levando os principais produtos usados no processo ao laboratório.

No nosso teste de 2018, os resultados não foram bons (veja quadro ao lado), e o cenário continua alarmante: dos 12 lotes das marcas mais vendidas que foram analisados, três estão sendo comercializados de forma irregular, com número de processo inativo na Anvisa, e sete apresentaram elevadas quantidades de formol, muito acima do 0,2% autorizado para a categoria, que seria, como já destacamos, para a conservação – um deles mostrou tanto o número de processo inativo quanto a alta quantidade de formol. A PROTESTE ingressou com ação civil pública para retirada dos lotes testados, além de ter encaminhado ofícios aos órgãos competentes para adotarem as medidas cabíveis. Apenas três produtos permaneceram até a avaliação final, porém classificados como de baixa qualidade. Entenda o porquê.

escova progressiva

Formol de 37 a 58 vezes mais

Este teste seguiu as Boas Práticas de Laboratório (BPL), do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e o Guia de Controle de Qualidade de Produtos Cosméticos (Anvisa)2. Dos lotes das 12 marcas avaliadas, sete apresentaram a concentração de formol além da estipulada: Fox (Gloss), G. Hair (Fórmula Original Alemã), G. Hair (Marroquina), Madamelis (Ultimate), Maria Escandalosa (Bonequinha), Portier (Exclusive) e Zap (Me Leva Black). Além disso, em cinco desses lotes, a substância nem se encontrava citada no rótulo: Fox (Gloss), G. Hair (Fórmula Original Alemã), Maria Escandalosa (Bonequinha), Portier (Exclusive) e Zap (Me Leva Black). As concentrações variaram entre 37 (G. Hair – Marroquina) e 58 vezes (Portier Exclusive) a mais do que o definido na lei, o que significa que tiveram como resultados 7,38% e 11,64%, respectivamente.

De acordo com a Anvisa, adicionar formol a esses produtos é infração sanitária (adulteração ou falsificação). “Portanto, as quantidades muito acima de 0,2% nos produtos testados implicam sérios riscos à saúde da população, o que pode ser considerado um problema de saúde pública”, alerta Mylla.

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Corte químico e dermatite de contato

A engenheira de alimentos Thaís Borges começou a alisar os cabelos ainda na adolescência com escova progressiva e permaneceu fazendo o procedimento durante 12 anos até que, em 2018, teve um corte químico (rompimento dos fios fragilizados por excesso de procedimentos químicos). “Mas o pior mesmo foi a dermatite no meu couro cabeludo, que chegava a abrir feridas. Fiz a transição capilar, estou sem química desde então, mas ainda trato esse problema até hoje”, conta.

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Nesse contexto, a alergista Ana Carolina D’Onofrio e Silva, membro do Departamento Científico de Anafilaxia da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), afirma que um dos principais malefícios do formaldeído é, justamente, a dermatite de contato. “Ela pode causar uma descamação importante no couro cabeludo, uma lesão grosseira que pode dar ferida e infeccionar com minibolhinhas. Pode ser irritativa, assim que a gente tem contato com o produto. Na primeira vez, geralmente, demora um pouquinho mais para acontecer, mas, nas próximas, pode ocorrer cada vez mais rápido. Já na dermatite de contato alérgica, em que há lesão de pele, você tem muita descamação do couro cabeludo e vermelhidão, que demoram mais tempo para melhorar”, explica.

Mas o que é escova progressiva?

Os alisantes podem ser classificados em alcalinos ou ácidos, e este último grupo é o que popularmente se conhece como escova progressiva. Mas se não achamos o termo nas embalagens, o que está sendo ofertado? Entre as denominações de venda, estão: “ativador capilar”, “máscara finalizadora”, “tratamento antifrizz”, “máscara capilar”, “máscara hidratante”, “termo-redutor orgânico”, “gloss alisante” e “máscara de tratamento e realinhamento capilar”. Nenhum dos avaliados apresentam a categoria alisante capilar. De acordo com a Anvisa, os alisantes são produtos cosméticos que modificam a estrutura química capilar para relaxar, alisar ou ondular os cabelos com duração do efeito após o enxágue. “A princípio, não poderíamos esperar alisamento após o enxágue dos produtos testados, mas, se isso acontece, fica aqui uma lacuna de identificação desse produto”, observa a especialista PROTESTE.

Consultamos no portal da Anvisa os números de processo descritos nos rótulos de cada produto. Eles são obrigatórios na rotulagem de qualquer produto cosmético3. Diante disso, os lotes G. Hair (Marroquina), Probelle (Smooth Infusion) e Prohall (Select One) foram eliminados por não terem número de processo ativo e, portanto, não poderiam estar disponíveis à venda. Além disso, G.Hair (Marroquina) apresentou formaldeído bem acima do permitido.
Quanto à declaração de presença de formaldeído no rótulo, os lotes Forever Liss (Semi Definitiva Zero), Let Me Be e Portier (Unique) não apresentaram a advertência “Contém formaldeído”, que é obrigatória no rótulo do produto acabado quando possui concentração acima de 0,05% de formaldeído no produto final1. Em função disso, foram considerados aceitáveis em rotulagem.

Quanto menor o pH, mais ácido

Como vimos, outro problema enfrentado pela Thais foi o corte químico, que se dá, muitas vezes, por esse teor ácido do processo. “O cabelo possui um pH que varia de 4,5 a 5,5 e encontramos produtos com terores muito baixos, o que os torna muito ácidos”, pontua a especialista PROTESTE. A pesquisa “Avaliação das propriedades das fibras capilares tratadas com alisante ácido com diferentes valores de pH”, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (2019), demonstrou que alguns produtos usados como escova progressiva chegam a ser mais ácidos do que um limão, com pH na faixa de 2,0 (quanto menor o pH, mais ácido). Esse estudo revelou que os produtos mais ácidos têm maior durabilidade de vencimento. Porém, os efeitos para a fibra capilar são também mais graves, porque, para chegar à aparência desejada, a estrutura interna do fio é danificada.

escova progressiva

Além disso, o Guia para Avaliação de Segurança de Produtos Cosméticos da Anvisa estipula que ingredientes ou produtos acabados com pH igual ou menor a 2,0 ou igual ou superior a 11,5 são considerados corrosivos e não devem ser avaliados quanto à irritação e corrosividade ocular e cutânea. Os lotes das marcas Forever Liss (Semi Definitiva Zero), Portier (Unique) e Let Me Be (respectivamente, com pH 2,27, 2,08 e 2,01) apresentaram em laboratório pH próximo ao limite, podendo causar danos à estrutura interna do fio. Por isso, foram classificados apenas como aceitáveis nesse critério. “Identificamos ainda que, no site da marca Forever Liss, o produto do teste informa ter pH entre 3,8 e 5,2, e, com base nos ingredientes descritos no rótulo avaliado, era esperado um pH próximo ao declarado no site”, complementa Mylla.

Danos internos são disfarçados

A alergista Ana Carolina destaca que produtos vendidos como escovas progressivas, com um pH mais ácido, mais baixo, reorganizam o interior da fibra capilar. “Com isso, abrem as cutículas (camada mais externa do fio, antes do córtex e da medula) e reduzem a força e a elasticidade do cabelo, o que pode levar ao corte químico. Os fios ficam mais frágeis e quebradiços, mas, como a chapinha é aplicada em seguida, cria-se um filme que recobre a superfície e disfarça essa lesão da fibra capilar que aconteceu com o procedimento”.

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Essa fragilidade capilar foi o que levou a profissional de marketing Aline Melo a parar de fazer escova progressiva há cinco anos: “Meu cabelo começou a ficar ralo, muito fininho nas pontas e com uma queda absurda. Tive até medo de ficar careca. Então, procurei uma dermatologista. Ela me disse que o meu cabelo e o couro cabeludo não estavam aguentando tanta química, porque também tinha começado a fazer luzes”, conta.

Teste de mecha é medida preventiva

Sandra Perondi, tricologista e diretora técnica da rede especializada em transplante e tratamento capilar Mais Cabello, reforça que isso ocorre porque os cabelos são constituídos principalmente de proteínas, como queratina, e possuem estrutura delicada que é afetada por tratamentos químicos agressivos. “A perda de proteínas enfraquece a estrutura interna dos fios, tornando-os menos resistentes e mais suscetíveis a danos mecânicos e químicos, que podem se tornar frágeis e propensos à quebra, especialmente quando submetidos a penteados, escovação ou uso de ferramentas de calor”, afirma.

Sandra ressalta a importância de o cabeleireiro fazer um teste de mecha ao usar qualquer tipo de química: “Essa é uma medida preventiva essencial para garantir que o tratamento químico seja seguro e eficaz, minimizando riscos de danos e problemas durante o processo. Saber compatibilidade, sensibilidade, tempo de ação, resistência do cabelo, por exemplo. No caso das escovas progressivas, o teste de mecha é um passo importante, mas a segurança e o sucesso do procedimento dependem de outros fatores, como o conhecimento do profissional sobre o produto, o respeito às instruções e os cuidados adequados antes e após”.

É preciso maior fiscalização

É por isso que as informações contidas nos rótulos são fundamentais para que tanto o consumidor quanto os profissionais conheçam mais sobre os produtos. E, diante de todos os resultados alarmantes sobre a segurança desses produtos comumente vendidos como escovas progressivas, fica o alerta: eles precisam de maior fiscalização no mercado, uma vez que os consumidores não conseguem identificar se, realmente, não trazem malefícios à sua saúde apenas observando as informações citadas na rotulagem que tem em mãos.

A dermatologista Leninha lembra que o médico deve ser procurado imediatamente ao iniciarem os sintomas de coceira, ardência, aparecimento de feridas no couro cabeludo, inchaço da face, pálpebras, falta de ar, entre outros. “O tempo de tratamento é variável e pode levar meses”, avisa a médica.

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